Formigas defendem plantas de herbívoros, mas podem atrapalhar polinização.

Análise da interação entre formigas, plantas que secretam substância adocicada para atraí-las, “interessadas” em se defender de animais que se alimentam de folhas, e abelhas indica que as protetoras convocadas podem afugentar as polinizadoras. Já as borboletas não se incomodam.

Conclusões da pesquisa são resultado da análise de dados publicados em 27 estudos empíricos sobre as relações entre formigas, polinizadores e plantas com nectários extraflorais (foto: Amanda Vieira da Silva/UFABC).
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André Julião | Agência FAPESP – Cerca de 4 mil espécies de plantas, de diferentes partes do mundo, secretam néctar fora das flores, como no caule ou nas folhas, por meio de glândulas secretoras conhecidas como nectários extraflorais. Diferentemente do néctar floral, o extrafloral não está envolvido na atração de polinizadores, mas de insetos defensores das plantas, como as formigas. Elas se alimentam desse líquido adocicado e, em troca, protegem a planta contra herbívoros. A proteção, porém, tem seu custo.

Um estudo publicado no Journal of Ecology por pesquisadores apoiados pela FAPESP aponta que a presença das formigas pode reduzir a frequência e o tempo de permanência das abelhas em flores de plantas com nectários extraflorais.

A polinização só é prejudicada quando os nectários extraflorais estão próximos das flores. Plantas que possuem essas glândulas em outras partes, como folhas e ramos, tiveram sucesso reprodutivo aumentado, provavelmente por causa da proteção contra herbívoros ofertada pelas formigas.

Por sua vez, as borboletas, outro grupo de polinizadores, não são prejudicadas pelas formigas. A explicação pode ser a forma como esses dois grupos se alimentam. As borboletas utilizam um órgão comprido em forma de canudo, conhecido como espirotromba, para sugar o néctar a uma distância segura das formigas.

“As abelhas, por sua vez, precisam se aproximar bastante da flor para coletar o pólen e o néctar floral, mas as formigas não as deixam permanecer por muito tempo. Não por acaso, nossa análise apontou que a presença das formigas é prejudicial à polinização quando os nectários extraflorais estão perto das flores, mas com efeito positivo para a reprodução das plantas quando ficam em outras partes mais distantes”, explica Amanda Vieira da Silva, que realizou o trabalho como parte de seu doutorado com bolsa da FAPESP no Programa de Pós-Graduação em Evolução e Diversidade da Universidade Federal do ABC (PPG-EvoDiv-UFABC), em São Bernardo do Campo.

As conclusões são resultado da análise de dados publicados em 27 estudos empíricos sobre as relações entre formigas, polinizadores e plantas com nectários extraflorais. Os artigos foram selecionados a partir de uma triagem inicial de 567 estudos, depois de aplicada uma série de critérios de inclusão e exclusão. Os dados foram compilados e analisados com o auxílio de ferramentas computacionais.

Múltiplos mutualismos

“Normalmente, os estudos têm focado no efeito de apenas uma interação isolada sobre as plantas. Quantifica-se quanto a formiga favorece a defesa das plantas perante herbívoros ou quanto o polinizador favorece a reprodução da planta, por exemplo. Mas essas interações podem ocorrer ao mesmo tempo. Então, para entender como essas interações influenciam o crescimento e a reprodução das plantas, precisamos olhá-las de maneira integrada”, detalha Laura Carolina Leal, professora do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo (ICAQF-Unifesp), em Diadema, que orientou o doutorado de Silva e também assina o trabalho.

Análises evolutivas dos gêneros de plantas que possuem nectários extraflorais apontam ainda que essa característica é facilmente adquirida e perdida ao longo do tempo. A interferência das formigas na visitação das flores por abelhas pode, portanto, ter atuado como uma pressão seletiva determinante na trajetória evolutiva dos nectários extraflorais em plantas.

“Se as formigas que visitam os nectários extraflorais prejudicam a reprodução das plantas ao espantar as abelhas, a manutenção desses nectários pode se tornar desvantajosa para as plantas e as glândulas serem perdidas ao longo do tempo evolutivo”, esclarece Leal.

Não por acaso, dos quase mil gêneros que possuem nectários extraflorais, apenas 46 dependem exclusivamente de abelhas para polinização. Pelo menos para alguns casos, os autores têm uma hipótese para a ocorrência simultânea da interação das plantas com formigas defensoras e abelhas polinizadoras.

“Sabemos que, em alguns grupos de plantas com nectários extraflorais e flores polinizadas pela vibração das abelhas, as folhas novas com nectários extraflorais ativos e as flores são produzidas em estações diferentes ao longo do ano, o que evitaria o conflito entre ambas”, diz Anselmo Nogueira, professor do Centro de Ciências Naturais e Humanas (CCNH-UFABC), coorientador de Silva e coautor do estudo.


Cada uma no seu pedaço: abelha se alimenta na flor, enquanto formiga se aproveita de nectário extrafloral (foto: Amanda Vieira da Silva/UFABC)

Novos estudos em desenvolvimento pelo grupo de pesquisadores buscam entender se uma terceira interação pode atuar como força estabilizadora da interferência das formigas na polinização de plantas com nectários extraflorais.

“Se o recurso for muito bom para a abelha na flor e para a formiga na folha, talvez elas nunca se encontrem. Além disso, parte das plantas com nectários extraflorais, como algumas leguminosas, abriga em suas raízes bactérias fixadoras de nitrogênio, que favorecem a produtividade da planta e podem viabilizar o investimento da planta em recursos de alta qualidade para ambos parceiros animais”, comenta Nogueira.

O pesquisador coordena projeto conduzido no âmbito do Programa BIOTA-FAPESPque investiga a evolução de múltiplos mutualismos em uma mesma linhagem de plantas. Em um trabalho anterior, seu grupo mostrou justamente que a interação entre uma espécie de leguminosa e bactérias fixadoras de nitrogênio aumenta a atratividade dessas plantas para as abelhas polinizadoras (leia mais em: agencia.fapesp.br/52137).

O artigo Ants on flowers: protective ants impose a low but variable cost to pollination, moderated by location of extrafloral nectaries and type of flower visitor pode ser lido em: https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/1365-2745.70087.

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