Crise de Mão de Obra na Pecuária é Oportunidade para Rever Sistemas Produtivos das Fazendas.

A redução da oferta de mão de obra na pecuária decorre de diversos fatores que incluem condições de  trabalho e remuneração. Em contraponto, as pessoas migram para a agricultura, onde ocorre o inverso na qualidade de vida no trabalho.

Crise de Mão de Obra na Pecuária é Oportunidade para Rever Sistemas Produtivos das Fazendas. Imagem: Istockphoto.com
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A pecuária é um dos setores mais estratégicos do agronegócio brasileiro, responsável por abastecer nosso mercado interno e também as prateleiras de países pelo mundo afora. Tanto a proteína para o consumidor final como insumos para diversas outras cadeias produtivas, fazem parte da extensa cadeia pecuária.

No entanto, essa produção pode estar ameaçada, conforme demonstra o Boletim CiCarne 65. O documento alerta para um fenômeno silencioso e contínuo que pode comprometer a sustentabilidade da cadeia produtiva, o chamado apagão de mão de obra na pecuária.

Uma nova dor de cabeça para o setor, que vê os recursos humanos disponíveis cada vez mais escassos. Para termos ideia, a bovinocultura teve uma redução de 2,7% na população ocupada em 2023, referente a 55.090 postos de trabalho. Combine isso ao perfil familiar das atividades rurais e ao envelhecimento da população rural e teremos um cenário desafiador.

Redução no consumo de carne bovina e menor produção leiteira.

Na última década, houve uma redução considerável no consumo per capita de carne bovina no Brasil. Segundo os dados do ANUÁRIO 2024 Peixe BR da Piscicultura, o recuo foi de 23,81% entre 2014 e 2023, enquanto o consumo de ovos, carne suína e peixes de cultivo cresceu.

No mesmo período, o consumo per capita de leite caiu 1,71%, com a produção leiteira crescendo apenas 2,65% no período. Vale lembrar que, entre 2014 e 2023, houve uma valorização de 157,33% no preço médio pago ao produtor, insuficiente para manter a atratividade da produção.

Além disso, a pecuária leiteira sofre com a importação de leite em pó, que destrói a competitividade (que já trabalha com margens baixas) e implica em baixa remuneração com fechamento de postos de trabalho. Apesar de grande exportadora, a pecuária de corte percebe o encolhimento do mercado interno e a redução de pessoal como ameaça à capacidade de produzir.

Escassez da mão de obra na pecuária

Num primeiro momento é possível identificar que a migração para áreas urbanas é um dos fatores cruciais para a crise de mão de obra, impulsionado pela busca de melhores condições de trabalho e maior qualidade de vida. 

Salários mais altos e acesso a recursos e serviços indisponíveis nas fazendas, sobretudo naquelas mais afastadas, comprime o volume de pessoas dispostas a encarar a jornada de trabalho que exige muito e oferece poucas vantagens.

No entanto, esses são apenas alguns dos motivos pelos quais a pecuária sofre um apagão de mão de obra. Outras razões como as oportunidades para criar a família (saúde, educação, comunicação e consumo) afetam as escolhas dos trabalhadores.

A lavoura do vizinho é mais verde

Enquanto a pecuária deixa de ser atrativa, do outro lado da cerca, as lavouras ganham importância, à medida que a tecnificação da produção e a tecnologia embarcada exigem mais preparo dos funcionários.

Como em qualquer setor, quanto mais é exigido em termos de qualificação maiores os salários. E isso torna a agricultura moderna mais relevante em termos de atração e retenção de talentos.

A necessidade de pessoal preparado abre um mercado fornecedor de infraestrutura e investimento em bem estar no trabalho, EPIs, educação continuada e treinamentos, além da internet, que faz toda a diferença.

Maior qualificação significa maior eficiência

O avanço da tecnologia na agricultura fez a produção de café no Brasil crescer 96,31%, a de soja aumentar 664,71% e a de milho crescer 547,97%, entre 1990 e 2023 (Embrapa Territorial, 2024).

O avanço das tecnologias juntamente com a qualificação do trabalhador favorecem o manejo mais eficiente e o aperfeiçoamento de processos. Abrindo espaço para que modernas metodologias de gestão de projetos e melhoria contínua façam parte do cotidiano do campo.

Dessa forma, a competitividade do setor é alavancada com o crescimento da escala, produtividade, rentabilidade e sustentabilidade. Impactando a qualidade de vida e renda do trabalhador rural, também beneficiário do valor adicionado à cadeia produtiva da agricultura.

Alta Tecnologia aplicada à pecuária para atrair talentos

A inovação na bovinocultura pode ser um divisor de águas na atração e retenção de mão de obra. No entanto, a aplicação exige certa qualificação e grau de instrução prévios que, por sua vez, demandarão remuneração estratégica.

O custo inicial dessa atração pode ser alto aos produtores, já que precisam da inovação para melhorar a eficiência e a rentabilidade, mas têm um concorrente (mais estruturado) pela mão de obra mais qualificada, a agricultura.

A natureza do produto pode ser outro desafio. A carne bovina, por exemplo, é um produto de alto valor agregado e ciclo longo, onde a remuneração mais alta pode colocar pressão exagerada sobre o fluxo de caixa necessário para manter a atividade até a venda do lote.

O Boletim CiCarne sobre o apagão elencou causas, impactos, fatores de permanência e estratégias para atração. Veja o resumo a seguir:

Causas do apagão na mão de obra

  • Crescente urbanização
  • Busca por melhores oportunidades
  • Envelhecimento da população rural
  • Baixo grau de intrução
  • Condições de trabalho no campo
  • Atração de mão de obra para agricultura tecnificada

Fonte: Boletim CiCarne, 2024.

Impactos no Setor Agropecuário

  • Trabalhadores Desqualificados
  • Desistência da Atuação Rural
  • Desvalorização da Mão de Obra
  • Inibição Crescimento Competitivo Agronegócio
  • Ineficiência Operacional
  • Aumento de Custos de Produção
  • Complicações Logísticas

Fonte: Boletim CiCarne, 2024.

Fatores de permanência do empregado

  • Direitos Respeitados
  • Valorização do Esforço
  • Chance de Crescimento Profissional/Pessoal
  • Ambiente Seguro (Respeito, Empatia)
  • Disposição para Ouvir Empregados

Fonte: Boletim CiCarne, 2024.

Estratégia de Capacitação e Atração

  • Investimento em Preparação Individual
  • Cursos SENAR (Gestão Agrícola, Técnicas Manejo)
  • Parceria Universidades/Entidades Privadas (Estágios, Residência)
  • Programas Embrapa (Aplicação Tecnologia/Inovação)
  • Melhoria Condições de Trabalho via Tecnologia
  • Certificações Bem-Estar Animal/Sustentabilidade
  • Programas Qualidade de Vida no Trabalho
  • Esforços Legislativos (Melhoria Formação/Condições)
  • Campanhas Valorização Agricultura Familiar

Fonte: Boletim CiCarne, 2024.

Considerações Finais

Com base em todos os dados expostos fica claro que é necessária uma reestruturação do trabalho no campo, especialmente no que tange à pecuária, de corte ou leiteira. 

Com margens apertadas, riscos operacionais e pressão sobre fluxo de caixa, a pecuária se expõe a um cenário desafiador que demanda uma saída estratégica e transformadora, convertendo ameaça em oportunidade.

A aliança entre tecnologia e produtividade é a única saída para a retomada da mão de obra na pecuária, que vai exigir um aporte importante para manter atividade em alta com melhoria salarial. No entanto, não afasta o fantasma da concorrência com a agricultura.

Neste contexto, viabilizar a pecuária melhor remunerada no longo prazo pode depender da adoção de uma nova estrutura dentro das fazendas, com sistemas produtivos que permitam maior rentabilidade e melhor fluxo de caixa na bovinocultura, com mix de produtos ampliado e receitas recorrentes.

Pecuária e lavoura juntas, na mesma propriedade.

Desde os anos 80 a Embrapa vem desenvolvendo e aperfeiçoando um manejo 100% brasileiro conhecido como Sistemas de Produção Integrados que, em resumo, convertem a vocação da propriedade de pecuária extensiva para um sistema que consorcia pecuária, agricultura e silvicultura (no modelo mais completo).

Esses modelos, além de reduzirem o risco da oferta única, diversificam as origens e modalidades de receitas, sejam elas do produto (carne, leite, milho, soja, madeira etc) ou do processo (redução de emissões, créditos de carbono etc).

Em algumas modalidades, os Sistemas Integrados ainda reduzem o risco da competição com a agricultura, pois colocam a atividade, mais mecanizada e com melhores salários, dentro da propriedade como forma de atrair e remunerar a mão de obra mais qualificada.

Sistema ILP

Integração Lavoura-Pecuária

Sistema que combina o ciclo longo da pecuária com o ciclo anual das lavouras, com possibilidade de safra e safrinha, aumentando mix da fazenda com recorrência de receita e melhora na rentabilidade do capital imobilizado na propriedade.

Sistema IPF

Integração pecuária-floresta

Combina o ciclo longo da pecuária com o ciclo longo da silvicultura (floresta) abrindo campo para produção de madeira de altíssimo valor agregado ou de alta escala de demanda. Embora sejam dois ciclos longos, a produção de madeira consorciada ao gado permite um manejo que preserve o bem estar animal com áreas de sombreamento, além do sequestro de carbono, que pode ser um ativo importante para adicionar receitas com os créditos de carbono.

Sistema ILPF

Este é o modelo mais completo e combina todas as características dos produtos, que se refletem tanto na rentabilidade como na qualidade da carne, bem como na reputação da propriedade. No modelo mais completo as receitas são provenientes de ciclos distintos com possibilidade de adicionais de crédito de carbono, redução de custos com silagem e produção de carnes premium (referendadas pelo manejo sustentável).

REFERÊNCIAS: Crise de mão de obra no campo: causas, impactos e possíveis soluções.

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